domingo, 29 de maio de 2016

A MENINA PAGÃ I

Seria cinco horas da manhã, a julgar pelas estrelas e o movimento das meninas do internato. Elas se levantavam e arrumavam-se nos banheiros para ir às orações na capela.




Josie segue em direção a umas das janelas embaçadas de neblinas do edifício secular e observa o jardim repleto de flores brancas, apagando com as mãos o suor da vidraça.



Entre os dois dormitórios há uma janela de madeira bruta, arrancada de um jequitibá, que, de tão grande, mais parece uma pequena porta. Dali pode-se observar a capela. E lá vai Josie, na escuridão da madrugada, tateando pelas paredes, Segue em direção ao altar por um tapete vermelho, sentindo-se vigiada por uma minúscula luz verde lançada por um abajur. “Esta luz significa a presença de Deus”, conforta-se, inocente.



Josie abre a porta que dá para o jardim proibido, senta-se no banco de ferro branco com seu poncho azul e vermelho, a touca multicolorida na cabeça, sente o vento gelado passar sobre sua face e arrepia-se, como se tocada por um espírito maligno como diziam as religiosas daquela casa abençoada.



Mas, por alguns minutos, nada importa. Josie quer ficar admirando as rosas. As flores estão com as pétalas cheias de orvalho. Os beija-flores chegam com os primeiros raios de sol, sem perceber a presença de Josie,com o qu paralisada e encantada com o quadro movimentado.



O coral das meninas vem aos seus ouvidos. O padre já começou as orações. Josie se assusta, olha a estátua de gesso de nossa Senhora que fica bem no centro do jardim, “O que fazer”, pensa Josie.



Ela segue devagar até umas das portas do jardim que, para a sua surpresa, está aberta. Sem que ninguém perceba, entra passando pela banca, uma sala reservada para estudos que mais parece uma biblioteca, e segue para o internato. Sobe as escadas rumo aos refeitórios das irmãs onde a mesa está posta, repleta de guloseimas.



Ela não resiste e pega algumas bolachas de chocolate. Curiosa, como todas as crianças, vai até um dos quartos das freiras, entra e se surpreende com a irmã Bezerra, ela que passa o dia cuidando das meninas da escola, A irmã se assusta, pois está com os seios de fora, vestindo apenas suas cerolas brancas e enormes. Josie corre, se tranca no banheiro e começa a rir.



Batem na porta do banheiro.



- Josie, vamos abre a porta ou vai ficar sem café.



Josie abre a porta sem saber o que lhe espera, pois Alcione, também aluna da escola, a convida a seguir para o dormitório. Ela é a aluna mais antiga, foi criada desde bebê pelas irmãs, é uma menina negra, gorda e muito bonita.



- Vamos Josie tira a roupa e entre no banheiro.



Assustada ela obedece, Alcione, com um cinto de couro, começa bater nas suas costas e pernas Depois da surra ela coloca seu avental quadriculado, vestimenta diária de todas as meninas. Alcione a tranca no banheiro por todo o dia, sem alimentação. Só à noite, depois que todas as meninas foram dormir, a imã Bezerra a leva para a enfermaria,



Josie passa a noite toda aos cuidados da irmã enfermeira, mas como se não bastasse a surra ela pega uma gripe muito forte e fica duas semanas internada com os lábios e as vias respiratórias feridas, alimentando-se por um canudo.



Josie acreditava que Deus não gostou do que ela havia feito e por isso estava tão doente. A irmã Lima, outra enfermeira, passava a noite na enfermaria. Sua cama era toda cercada por um lençol branco, pois não podíamos vê-la dormindo.



A freira tosou os cabelos de Josie, deixando-a com o couro cabeludo pelado. “Agora está bonita não parece uma endiabrada, mas vai passar a noite chupando o rabo do diabo”.



Josie tinha muito medo do diabo, mas nunca imaginou que apanharia tanto. Certa vez ficou de castigo, ajoelhada sobre o milho, por duas horas. Foi num domingo à tarde no retiro das irmãs que fica nas montanhas de Friburgo. As meninas podiam ficar livres, subir nos pés de pêssegos e jabuticabas. Era uma farra. Do alto das árvores viam o riacho de águas claras e a deliciosa piscina. Josie e quatro meninas mergulharam na piscina, também proibida, e aí o castigo.



Josie pensa na dor do joelho, fecha os olhos e dorme, mas sonha com os anjos de cabelos encaracolados e roupas compridas. Alguns são verde e azul e outros brancos. As asas ficam batendo em volta de sua cama, protegendo-a do mal